De Irene Poconé, Zurique/Brasília, especial para O Repórter na História
Tem algo de errado ou de muito certinho, combinado, azeitado, no mundo encantado da Rainha dos Baixinhos. Não gostei nem um pouco de sua apresentação/desabafo/lavagem de roupa/em horário nobre. O rosto, as lágrimas, o olhar, os gestos, pareciam de uma desequilibrada. Ataque da menopausa? Meã culpa mesmo? Fama, beleza, físico, poder, que se vão com a idade? Ou foram anos de ensaio, domínio de palco e câmera para mais uma jogada de marketing? Para ela e para sua mentora, a TV Globo?
Meu sonho de garota pantaneira: as botas da Xuxa
Eu e minhas irmãs, como milhões de meninas, fomos “educadas” por Xuxa e pela programação da TV Globo. Ah! Como eu sonhava com aquelas botas ate as coxas e aqueles shortinhos apertados na bunda e na xaninha. Eu daria a minha “perereca” (assim se falava em Poconé dos garimpeiros que pagavam as mulheres-da-vida com pepitas de ouro) para ser uma Paquita. Mas como as Paquitas eram loiras o meu sonho de pantaneira bastava. Mas, um dia, consegui usar “as botas” da Xuxa. Fetiche dos meus desejos infantis. Era moda das prostitutas da Suíça, Itália, Alemanha…
Na Suíça, houve um tempo que por qualquer coisa eu chorava. Uma música brasileira, eu chorava. Um filme de amor com happy end, chorava. Em Zurique, fui transar com um rico empresário paulista. No meio do “serviço” ele me elogiou, falou de coisas brasileiras, me tratou com carinho especial, explodi de saudade, chorei. O homem broxou. Eu não estava bem.
Quem me salvou da choradeira foi uma amiga psicóloga. Durante um ano sentei no sofá de um psiquiatra holandês que fala português e fiz a Regressão. Não é fácil. Dói muito. Mas, se Xuxa está sendo sincera ela só se sentirá melhor com a terapia do Primeiro Grito- Prime Cry. Para a sua saúde mental e física. Para segurar a barra da perda de audiência, de espaço e entrar na terceira idade numa boa. Melhor buscar ajuda. Viajar dentro de si mesma. Ir ao ventre da mãe. Melhor se descobrir que depois de velha ficar dedurando parentes e pessoas ligadas à sua família. Se eu fosse contar os amasso na pensão de Vovó e dedurar quem me bolinou, tava louca.
O governo insiste, e com razão, em campanhas e punições contra abuso sexual. Mas, patrocina TVs que sempre “venderam”, ensinam, insinuam sensualidade e sexo em seus programas “infantis”, matinais, vespertinos, noturnos. A programação televisiva brasileira “cheira” a sexo. Ruim.
Se Xuxa está sendo verdadeira e não está servindo-se e servindo a TV Globo para mais uma campanha apelativa por audiência da classe C- o xodó do momento-ela deveria apontar também quem foram seus mentores, gigolôs, cafetinas e cafetões midiáticos que a exploraram a exaustão para mais Ibope, mais venda de produtos infantis, mais faturamento. Ou a grana sempre foi tão boa que ela ficou todos esses anos quieta?
A Rainha dos Baixinhos tentou outras praças. Nos Estados Unidos com as roupas, os trejeitos, a falinha de menininha “gostosinha”, uma Lolita de levantar defunto, não emplacou. Não emplacaria. Só mesmo no Brasil.
Ela diz que depois dos treze anos a “coisa parou”. Mudou, seguiu rumo. Foi ser modelo. Posou para revistas em poses eróticas. Fez filmes sensuais. Conheceu Pelé. O que significa “conheceu Pele?!”. Que a levou para a TV Manchete. E foi parar na TV Globo, o grande berço da cultura brasileira. Duas garotas loiras brigavam por audiência. A Xuxa gostosa, lembrando a sensualidade de Vera Fisher e Angélica, angelical, mas mostrando sempre aquela pinta na perna exposta.
Uma Rainha de meninas que sonham com Príncipes, ter um lar, serem felizes em família, resolveu ter uma filha, pra ficar bem na mídia das crianças, mas sem pai presente. Uma “coisa” gerou a filha. Por transa física ou inseminação artificial? Que exemplo para milhões de meninas da “geração Xuxa”! Vivem a perguntar por que o Brasil se deixa corromper? Não reage aos exploradores em todos os setores da vida pública e privada? Se afunda em besteirol, novelas e consumo de bugigangas chinesas? Já de “cabeça feita” o que faz como pensa e como vota a geração educada pela Rainha dos Baixinhos e pela Venus Platinada?
O que Xuxa deveria ter feito quarenta anos após os abusos que a transformam em vitima, e ainda pode fazer: escrever um livro contando tudo. Um filme. Ela fez tantos. Tem dinheiro e virou moda filmes biográficos. Blindar-se na TV Globo que de seu bunker tudo pode, fez e faz, impunemente, só vai piorar o seu ego. Impunidade não é só de políticos, ministros, lobistas…
A realidade inevitável dos 50 anos complica e desestrutura a vida de estrelas de Cinema e TV. Demi Moore, Liza Minelli, Vera Fisher, e outras, que o digam. È preciso saber envelhecer. Com dignidade. Os exemplos de desmoronamento e desequilíbrio físico e emocional estão ai aos montes. Não existe mulher Dorian Gray. Chega uma hora que nem bisturi e pedra-pomo dão mais jeito. O melhor a fazer, neste momento, é reconhecer que contribuiu para o atraso e desvio cultural de milhões de crianças brasileiras. Que se foi explorada sexualmente também explorou a sexualidade infantil como uma teleguiada de diretores, coreógrafos, mercadore$. Que ficou rica exatamente por ser a loira do Pelé. A gostosa, famosa, bem vestida, perfumada, carro do ano, que eu e minhas colegas queríamos imitar. “Ser” igual à Xuxa. Marketing é pra isso. Vender Gato e Lebre e ganhar audiência. Mais audiência. Mais audiência e mais faturamento. Tudo xuxu beleza. Mas e o país? “O xaís que se xoda”!
Xuxa em sua “casa” em horário familiar me pareceu apelar como uma New Born Christian com lágrimas de quem sofreu abuso sexual na meninice. Xuxa deve chorar também pelo mal que causou à formação de milhões de meninas e meninos de seu país. Os Baixinhos que a enriqueceram. Aí sim ela respirará e dormirá aliviada, sem tranqüilizantes e soníferos. A câmera em close mostrou um rosto de sofrimento em busca de guia espiritual. Maria Madalena semi-arrependida? Ovelha desgarrada esperando seu pastor? Desabafo tardio? Meã culpa sincera? O tempo dirá xuxexivamente.