Na página Jota Nymt Alves/Facebook Paulo Arruda de Belo Horizonte, neto de Matemático, leitor de Marx, Lênin, Mao, quer saber a opinião sobre o fim da URSS dos que estudaram na universidade Patrice Lumumba. O engenheiro Oswaldo Mendes, formado em 1967, respondeu com depoimento e fotos.
Uma história de sucesso
“Em 1962 candidatei-me a uma bolsa de estudos na Universidade da Amizade dos Povos. Tinha o propósito de fazer um curso de engenharia que me oferecesse condições intelectuais e materiais para tornar-me um profissional bem qualificado.
Aprendi a gostar daquele povo,
Vivendo em frio intenso e duradouro, mas, de alma quente e jeito alegre. Simplicidade sincera. Fazendo-me lembrar da nossa gente do interior, principalmente, de Minas Gerais, onde meus pais nasceram. Adaptei-me facilmente àquela cultura. À medida que ia fazendo amizades com os russos (principalmente com as russinhas), a língua ia fluindo e o aprendizado ficando cada vez mais fácil.
Achava que o socialismo era o caminho certo para a justiça social
A história do pós-guerra me emociona muito. Adoro ver filmes daquela época.
Estava convencido que as deficiências, escassez de produtos, insatisfação da juventude com as suas limitações materiais, terminariam assim que concluíssem a “reconstrução do país”. Destruído pela guerra.
Planejamento, educação
Eu aprovava e admirava o planejamento governamental da educação desde a escola maternal até o curso superior. A educação cívica dos “pioners” (um tipo de escoteiros) e depois dos “consomolskii” (Juventude Comunista). Acreditava piamente que aquela educação e disciplina executada com rigor por sete décadas; a infra-estrutura planejada; o desenvolvimento industrial cada vez maior; tornariam o regime socialista (comunista) inabalável, imbatível.
A viagem, o curso.
Em agosto viajei com mais 20 bolsistas para realizar um sonho, que ia muito além de conhecer a grandeza da União Soviética (URSS). Já havia duas turmas de brasileiros: a de 1960, ano da criação da universidade. E a de 1961.
Éramos 46 estudantes em diversas faculdades. Tínhamos grupo de teatro, dança, futebol.
Escolhi engenharia mecânica, para a qual já me preparava no Rio. Optei por máquinas térmicas para geração de energia termelétrica com turbinas a gás e a vapor. Especialidade que não havia no Brasil.
Concluí o curso em 1967. No penúltimo ano da faculdade, casei-me com a russa que vinha namorando há dois anos. Preenchemos as exigências para que ela casada com estrangeiro pudesse sair de seu país sem perder a cidadania. Ao terminar o curso, viajamos diretamente para o Rio de Janeiro. Não tivemos problemas para entrar no país. Os demais casados com russas também não tiveram problemas.
“Ave rara no nosso meio”
A primeira empresa que procurei foi a General Eléctrica do Brasil. O gerente ao ler o currículo disse: “Você é uma ave rara no nosso meio”. Saí da entrevista direto para os exames médicos. A segunda empresa já havia contratado o meu único colega de especialização o amigo Jeremias Alves de Alencar.
Fui fazer curso de especialização em turbinas de aviação na fábrica da Pratt & Whitney nos Estados Unidos. Na empresa de revisão de turbinas trabalhei por dois anos. Em seguida, convidado por Furnas Centrais Elétricas S/A lá fiquei por 30 anos. Eu e Jeremias fomos convidados para lecionar na Universidade Católica de Petrópolis. Chegamos à Chefia das Cátedras de Termodinâmica e de Máquinas Térmicas. Lecionei por 25 anos. Jeremias continua lecionando há mais de 45 anos.
Angola
Furnas indicou-me a empresa de geração de energia de ANGOLA, (GAMEK). Lá a estatal soviética (ENERGOPORM) construía no rio Cuanza uma das maiores Usinas Hidrelétricas da África central.
Fiscal de montagem. Trabalhei com engenheiros soviéticos e brasileiros durante dois anos. E com orgulho. Por estar em país de língua portuguesa. Com gente que ajudou a formar o Brasil. Presidido por José Eduardo dos Santos. Ex-colega de universidade. Formado em Geologia.
O fim da URSS
À medida que os jovens deixavam de sofrer conseqüências da guerra iam tomando conhecimento do nível sócio econômico dos países capitalistas. E a insatisfação crescia na juventude russa/soviética. Dirigentes mais jovens do Partido Comunista (dominado por octogenários) sentiram que, se não fizessem mudanças na economia para dar um nível de vida mais alto ao povo, haveria protestos e desordens difíceis de controlar. E revoltas contra o regime. Nesse momento aconteceu:
A Perestroika
Para planejar e executar uma reforma radical e transparente o primeiro ministro Mikhail Gorbatchov propôs e liderou a Perestroika.
Creio que nenhum teórico, sociólogo, previa tamanha mudança radical. Era impensável na URSS de governo centralizado, dominado pelo Partido Comunista, a tomada do poder sem luta armada. Sem que houvesse um só tiro. Sem que generais e soldados saíssem dos quartéis. Sem movimento popular capaz de interromper as reformas
E para completar a minha incredibilidade, como se fosse uma fileira de dominós, ou castelo de cartas, o mesmo desejo de mudança derrubava as 15 repúblicas soviéticas. Simultaneamente, os oito países socialistas:
Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Albânia. E as guerras na Iugoslávia dando origem à: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Macedônia.
70 anos de poder absoluto.
Os acontecimentos provaram que a Perestróica e Glasnost não eram obra de um louco por levar vantagem. “Comandado pelo mundo capitalista”. Refrão que os comunistas de ontem e de hoje repetem para justificar o que aconteceu no campo socialista. “Os líderes capitalistas, o Império, são os culpados pelos fracassos comunistas”.
A transformação foi radical. Rápida. Com visível melhora no nível de vida da maioria da população. Surgiram, sim, camadas insatisfeitas com o fim da vida que levavam. Protestos dos que não gostavam de lutar para crescer e superar as dificuldades. E adoravam receber benesses do Estado.
Para mim ficou claro: se um estado tão bem estruturado como o Soviético, 70 anos de poder central, não deu ao povo o nível de vida esperado, não será Cuba já com 50 anos de poder absoluto que conseguirá fazê-lo melhor. Há exemplos na história recente. Alemanha Ocidental e Oriental. Coréia do Sul e do Norte. Progresso da Hungria, Eslováquia, República Tcheca, países do Báltico, nações derivadas da Iugoslávia.
A guinada da China
Estamos vendo a guinada dos dirigentes chineses para se manterem no poder. Eles fizeram uma grande reforma política. Mantendo o controle nas mãos do Partido Comunista. Mas, abrindo a economia para as grandes corporações capitalistas.
A China não produz apenas “quinquilharias” de baixa qualidade. Com a alta tecnologia importada da Volkswagen, Audi, Mercedes, BMW, Volvo, GE, Siemens e tantas outras; com fartura de mão de obra barata devido ao baixo salário pago aos trabalhadores; a China enche o mundo de seus produtos. E o nível de vida da população, principalmente, urbana, melhora a olhos vistos. Em 10/20 anos não veremos diferença entre a China e nações capitalistas.
Todos nós que militamos na esquerda aprendemos a desqualificar o regime capitalista tendo como base as desigualdades existentes nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
Mas, quase sempre, nos esquecemos de analisar o sucesso da Noruega, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Canadá, Japão, Austrália, Suíça, Holanda, Bélgica, Coréia do Sul. E os chamados tigres asiáticos.
Produção. Iniciativa privada. Lucro e imposto.
Para mim um regime para ser considerado bom tem que ter a parte social, garantida pelo governo, através do recolhimento de impostos e tributos taxados sobre a produção, que deve estar a cargo da iniciativa privada, sob forte fiscalização do governo. Se isso não tem dado certo no Brasil (e em outros países em desenvolvimento) é por culpa dos nossos péssimos políticos que promovem a devassa através da corrupção. Com a arrecadação de impostos que temos. Com boa indústria instalada. Agricultura forte. Podemos ter alto nível sócio econômico.
Não acredito em conceitos ideológicos da guerra fria. E repetidos ate hoje.
Não acredito em regime comunista. Não acredito no socialismo onde o governo é dono de toda a produção e é obrigado a prover as necessidades do povo: alimentação, medicamentos, automóveis, motos, bicicletas, roupas, calçados, bijuterias, perfumarias. E papel higiênico. Regime centralizado de poder absoluto pode ter sucesso nos períodos pós-revolução, pós-guerras. Ou para tirar uma nação de miséria generalizada.
O consumo.
A esquerda sempre criticou/critica o consumo. Mas, o consumo é fundamental para manter o desenvolvimento e o emprego. A China vive hoje do consumismo dos países capitalistas e de sua própria juventude consumista. A produção tem que estar nas mãos da iniciativa privada. Pagando impostos. Gerando empregos. O governo arrecadando da comercialização de suas riquezas naturais (matéria prima) para as indústrias. Com a receita o estado prover SAÚDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA.
Oswaldo defendendo a sua tese de formando e colegas. Da direita para a esquerda Oswaldo, o embaixador Henrique Rodrigues Valle, Jeremias, Jota Alves, Zanone, Carlos.
Voltei várias vezes à Rússia. Sempre a passeio. Casal de filhos. Quatro netos lindos, loiros de olhos azuis. Minha esposa, Lyudmila Yakovleva, após 30 anos requereu a cidadania brasileira com dupla nacionalidade. A cada dois anos ela viaja a Moscou para visitar seus parentes. O curso que eu fiz proporcionou-me boas oportunidades. As quais eu pude aproveitar, devido, também, é claro, à minha dedicação, tanto na faculdade como na vida profissional.
EU NÃO ACEITO REGIME POLÍTICO COM PARTIDO ÚNICO. CONTROLE DA MÍDIA. PERSEGUIÇÃO À OPOSIÇÃO. SEJA DE DIREITA OU DE ESQUERDA. NÃO CONCORDO COM UM MULTIPARTIDARISMO COMO O NOSSO, FORMADO POR MAIS DE 30 PARTIDOS. BALCÕES DE NEGÓCIOS COM O GOVERNO. GERANDO CORRUPÇÃO”.
Trilha sonora: Trilha sonora:
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