O Brasileiro não criou teoria ou doutrina política. Tampouco ideologia social. Bem, ou mal, o que pensamos e usamos, veio do exterior. Os nossos pensadores, mestres, escritores, filósofos, quase todos engajados, interpretaram, copiaram, fizeram adaptações para a “realidade brasileira” do que foi criado lá fora. Alguns plagiam, indecentemente.
A “Descoberta” do Brasil trouxe o machado, prego, tesoura, penico, garfo, faca, colher, o livro, a caneta, o professor, o violino, piano, o terno, vestido, o escravo, o soldado, o fuzil.
A monarquia trouxe o cristianismo. Iluminismo, Renascimento. Libertê, Igualitê, Fraternitê. De Lisboa, D. João VI trouxe a gráfica quando a Europa e os EE. UU já liam e distribuíam livros. Mesmo no atraso cultural descobrimos as idéias do Estado-nacional que substituiu as Cidades-Estado. Copiamos o abolicionismo. As lutas pela independência.
Chegaram portugueses, espanhóis, franceses, italianos, holandeses, belgas, inflamados pelo Positivismo e o Anarquismo. O comunismo de Karl Marx e seus discípulos Lênin, Trotski, Stálin, mexeram com a inércia cultural religiosa do Brasil.
O integralismo, com Plínio Salgado, teve o seu momento de força ao atacar o Palácio do Catete na tentativa frustrada de golpe de origem nazista/fascista. Luís Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi o mais coerente porta voz da revolução soviética, da URSS. Prestes reproduzia (traduzia) as teses do PCUS com pouca ou nenhuma alteração.
A juventude dos anos 60 bebeu da fonte cubana. Da luta armada com direito a barba e a nossa Mantiqueira/Sierra Maestra. O Brasil, como toda a América Latina, tinha de um lado, os da direita, do outro, os da esquerda. Joguetes da Guerra Fria, dos interesses soviéticos e norte-americanos. No atraso tecnológico, ideologicamente sem comunismo e sem capitalismo, restou-nos a teoria/doutrina do golpismo amaciada pela prática do jeitinho e da esperteza.
Golpe 1:
A Independência, do Brasil, diferentemente de todos os demais países das Américas, não saiu de luta, guerra, sangue. José Bonifácio de Andrada e Silva costurou, ajeitou, azeitou o Grito de D. Pedro I com a Corte em Lisboa. “O Brasil pode ter a sua bandeira e o seu hino, declarar a sua independência, mas, o reinado é de Portugal com o Rei meu filho Pedro”.
Golpe 2: Cuiabá foi cidade influente durante a Guerra no Paraguai. Serviu de escada para postos mais altos e também de exílio para os punidos por desobediência às regras da Corte no Rio de Janeiro.
Deodoro da Fonseca foi um dos que subiram e desceram na hierarquia e fama militar a partir de minha cidade. Governador da província de Mato Grosso ele se casou em Cuiabá e voltou para o Rio. Desfrutava a vida de casado, enquanto o movimento pró-República crescia.
Floriano Peixoto, primo de Deodoro, ambos de Alagoas, também foi Presidente da Província de Mato Grosso. Pavio curto, ao desembarcar no Rio foi direto para a conspiração que não passava de uma quartelada. A tropa não tinha líder absoluto, um Comandante. Todos dependentes das benesses de D. Pedro II, com medo do resultado do “levante”/golpe, e das represálias.
Quando na madrugada de 15 de novembro o estafeta cadete Candido Mariano da Silva Rondon chegou ao quartel-general com o bilhete confirmando que a tropa apoiava o movimento, nenhum dos oficiais reunidos estendeu a mão para pegar o papel com a senha.
Floriano, falante e decidido, levantou-se, tirou o bilhete das mãos do mimoseano Rondon e o entregou a Deodoro: “Tome, vá, Proclame a República do Brasil”.
D. Pedro cansado, doente, não esboçou reação. A República nasceu sem multidões. Sem tiro. Foi um golpe do jeitinho brasileiro. E nos primórdios da Nova Ordem Positivista, Floriano deu um golpe baixo em seu primo Deodoro e assumiu a Presidência.
Golpe 3: A primeira República nasceu com sonhos de alternativas democráticas. “Mulher de trinta”, inteira, bonita, teve seus passos cortados pelo golpe do baixinho Getúlio Vargas que prometeu sair do Rio Grande do Sul e amarrar seus cavalos em obelisco no Rio de Janeiro, sede do governo federal. E o fez.
Caudilho, ditador, a ferro e fogo, calou comunistas, integralistas, opositores. De golpe em golpe, governou o país de 1930 a 1945. Passou a presidência para o seu ministro da Guerra, o cuiabano Eurico Gaspar Dutra.
Golpe 4: Getúlio voltou em 1950. Cansado, decepcionado com auxiliares e parentes, GV sentia o chão que pisara com firmeza sair-lhe dos pés, da montaria. Já não era um cavaleiro de fina estampa.
O Brasil ainda era um país agrário, mas, mudara muito depois da Segunda Guerra mundial. O “Velhinho” tinha que jogar o jogo do poder com um Congresso cheio de “feras”. Com a maioria tendo passado por lutas ideológicas libertárias contra o nazismo, fascismo. Muitos foram presos, apanharam da policia do Estado Novo (Carlos Lacerda, como muitos jornalistas e políticos de sua geração, foram “comunistas” ou simpatizantes do PCB).
Houve golpe? Não houve golpe?
A esquerda repete que sim. Estudiosos cautelosos dizem que havia uma luta com adversários ferrenhos, mas, nos limites democráticos. A grande cagada foi o crime da Rua Toneleros, mal ajambrado por Tenório, segurança pessoal de Getúlio. O Caudilho foi derrotado por não manejar as novas armas do poder.
Somente pela traição, brutalidade, barbárie, um governo bem estabilizado, transparente, composto por gente honesta, competente, pode cair por um golpe ou quartelada. Havia sim corrupção a partir do Palácio do Catete (o Palácio do Planalto daquela época) que atingiu Getulio, mortalmente. Carlos Lacerda e a banda da UDN a transformaram em “um mar de lama”.
Como Fernando Collor, Getúlio Vargas, não tinha mais com quem se articular, conchavar, fazer acerto. Seu tempo e espaço se esgotaram. Mas, ele teve a coragem de “sair da vida para entrar na historia” com um tiro no peito na madrugada de 24 de agosto de 1954. Com o ato heroico ou covarde os muitos herdeiros de Getúlio decidiram que o golpe derrubou e matou Getúlio.
Golpe 5: Houve sim tentativa de golpe para Juscelino não assumir a presidência. A consigna era: “se candidato não deve ganhar, se ganhar não deve assumir, se assumir não deve governar”. A briga foi feia. Entre tentativas de rebelião a tomada da base aerea de Jacarecanga por oficiais da Aeronáutica, para desencadear um golpe.
Juscelino, mestre do jeitinho, presidente bossa-nova, deu a volta por cima. Construiu Brasília. Passou a faixa presidencial para Jânio Quadros, a grande esperança nacional. João Goulart, herdeiro político de Getulio Vargas, vice-presidente de JK, foi reeleito com o Homem da Vassoura.
Golpe 6: O mato-grossense Jânio Quadros, de rápida carreira política em São Paulo, chegou à presidência com tudo em cima. Era o queridinho do empresariado do dinheiro velho e do dinheiro novo. Do generalato. Da classe média. Foi combatido como entreguista e da direita.
Assume, e condecora Che Guevara, ícone da revolução cubana. E o cosmonauta Yuri Gagárin personagem da vitoriosa União Soviética, do comunismo. A esquerda vibrou. De repente, sem consultar seus defensores no Congresso, sem golpistas nas ruas, Jânio Quadros renuncia a presidência da República. Na sua carta fala em “forças ocultas” que queriam tirar-lhe o poder.
O golpe de Jânio de voltar, nos “braços do povo”, com poderes totais, não deu certo. Entrou no navio e foi beber uísque de prima na Inglaterra. Com os direitos políticos cassados pela ditadura militar, eis que Jânio dá mais um golpe de mestre, volta, e se elege prefeito de São Paulo.
Golpe 7: Jânio usou a viagem do seu vice-presidente ao exterior para anunciar a renúncia, reagrupar generais descontentes, e ser convidado pela direita e pela esquerda a voltar à presidência sem contestações e com mais poderes.
Onde estava Jango? Na China comunista. Começou então a mais longa viagem de um presidente da República para assumir o cargo. O parlamentarismo foi aprovado para enfraquecer João Goulart. Mas ele deu a volta por cima e o Presidencialismo voltou.
A crise dos mísseis entre União Soviética x Estados Unidos. Cuba exportando revolução. Focos guerrilheiros na Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Venezuela. A Guerra Fria no seu auge, complicada com tropas chinesas na fronteira russa. A direita e a esquerda em luta pelo poder.
Jango deixou-se levar pelas bravatas “manda brasa nas reformas”, “as massas lideradas por Prestes pegarão em armas”, “os camponeses de Julião (o Stédile da época) se levantarão”, “os estudantes irão para as Ruas, todos defenderão o presidente e as reformas”.
Sem apoio militar, sem sustentação no Congresso, sem espaço e tempo de manobra, Jango não foi para o confronto quando tropas comandadas pelo General Olympio Mourão saíram de Minas para derrubar o governo. O presidente preferiu recuar. Foi para o Uruguai contra a decisão de seu cunhado Leonel Brizola de ficar e lutar. No dia 31 de março/1 de abril de 1964 o golpe militar foi consolidado. Nesse capítulo da Guerra Fria a esquerda perdeu. A direita venceu.
Golpe 8
A candidatura de Fernando Collor de Mello, filho do udenista senador Arnon de Mello, segundo fofoca política, nasceu em torno de um pato laqueado na China. Como Jânio Quadros, Fernando Collor prometia varrer corruptos e marajás do governo federal. O que Paulo Cesar Farias, (o “Vaccari Neto, Delúbio, Valter Cardeal” de Collor) roubou, foi merreca. A decoração da Casa da Dinda, a fonte iluminada na piscina, o Fiat Elba, as despesas da primeira dama, fichinha, em comparação com o roubo nos Correios, nas obras do PAC I e II, na Eletrobrás, na Petrobrás…
Sem apoio popular, muito bem atacado pela esquerda saudosista, religiosa, mobilizada, festiva, barulhenta; sem sustentação no Congresso; sem dar o braço a torcer e conversar com as raposas do parlamento; Fernando Collor diante do impeachment renunciou a presidência da República (mais ou menos o que Richard Nixon fez nos Estados Unidos).
Houve golpe? Não foi golpe? O jogo foi jogado com regras democráticas. Leis e rituais foram cumpridos. Collor perdeu.
Golpe 9
O golpismo está no ar? Querem tirar Dilma Rousseff da presidência pelas armas? Na marra? O Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Eleitoral são ou não instituições sólidas? Suas decisões devem ou não ser aceitas, respeitadas?
Ouvimos que estamos em “plena democracia”. Se, por corrupção, vereador perde o cargo; se deputado ficha suja perde o mandato; se prefeito, governador, são julgados e condenados pela Lei de Responsabilidade Fiscal e por Improbidade Administrativa; por que presidente da República não pode perder o mandato pelos mesmos crimes, ou outros?
Ninguém deve estar acima da lei.
No jogo democrático Dilma comete erros de Fernando Collor: arrogância, empáfia, desdém. Mas, já começa a “ seduzir” e apelar com o seu lado feminino. Na Rússia, Putin, o esperto KGB Man, faz propaganda comparando Dilma Roussef com Anita Garibaldi. “Dilma heroína brasileira”. Evo Morales da Bolívia e Nicolás Maduro prometem armas contra o golpe.
O país e o mundo sabem que o “mar de lama” tomou conta do Palácio, da Esplanada dos Ministérios. Os mistérios estão sendo desvendados. Quase todos os grandes atos de corrupção ficando transparentes.
Com exceção dos Mobilizados, do exército de Stédile (lembrar de Francisco Julião das Ligas Camponesas), dos bem remunerados e fanáticos, Dilma está sem apoio popular, sem plena sustentação no Congresso. E a sua presidência afundando-se em corrupção ativa e passiva.
Sem socialismo, sem capitalismo, no jogo da democracia a brasileira Dilma pode ganhar ou perder. Não há golpismo. O que há é protesto, é reação, é luta, contra a maior onda de corrupção, rapinagem, desmando, incompetência, da história do Brasil.
Trilha sonora:
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