Ou, onde você estava quando mataram o presidente Kennedy? Poderá responder, numa vaga lembrança, quem tivesse pelo menos dez anos de idade. E mais idosos, com acesso ao Rádio, à imprensa escrita. Há 50 anos, a mais desenvolvida potencia tecnológica do planeta não tem resposta definitiva sobre a morte de seu carismático e jovial presidente. Uma ou duas balas disparadas do depósito de livros? A terceira saiu do mato próximo à carreata? Foi decisão única de Lee Oswald, casado com uma soviética? A máfia ou sindicatos tramaram o assassinato? Conspiração da CIA? A KBG? Fidel mandou matar Kennedy?
O vice Lincoln Johnson toma posse no avião. A seu lado, Jackeline com o vestido sujo de sangue. Edgar Hoover o poderoso chefe da CIA tinha rixas pessoais com Bob Kennedy que esperava acabar a crise dos mísseis para substitui-lo. O mafioso Giancana citado na trama para matar Kennedy.
Eu sei onde estava. Com quem eu estava: No dia 23 de novembro de 1963. Sem ter mantido um diário, anotações, puxo pela memória. Este é mais um original Repórter na História. E o digito por respeito e admiração a mais de 40 mil livros* e dezenas de filmes sobre a vida e morte do presidente Kennedy.
*Na excelente entrevista que concedeu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, conduzido por Augusto Nunes, Paulo César, disse que, nos EUA, já está na faixa de 40 mil livros publicados sobre o presidente John F. Kennedy, assassinado em 1963. Sim, exatamente isso: 40 MIL! Profundo conhecedor desse tema, ele contabiliza já perto dos 10 mil o total de biografias ou livros que contêm dados biográficos do Rei do Rock, Elvis Presley, morto em 1977. (Do colunista Ricardo Setti/Veja).
Sempre com tragédias na família os Kennedy não culpavam a imprensa pelos seus problemas. Não atentavam contra a liberdade de expressão. A família ajudou moldar a América do pós- guerra. Sempre expostos. Os Kennedy jamais censuraram biografia.
Um rapaz latino americano.
Cheguei a Moscou com corpo. Cara. Dentes. Fome crônica. Sonhos. De um rapaz latino americano. Brasileiro subdesenvolvido. E o que empolgava um latino envolvido em lutas estudantis, campanhas nacionalistas, membro ou não, de Partido Comunista? A revolução cubana. Os barbudos de Sierra Maestra.
Primeira visita à Praça Vermelha com o professor Yuri, 2 metros e 10 de altura. Na imagem, três estudantes brasileiros. Os demais latinos. RH é o primeiro à esquerda, suéter branco, ao fundo.
Bulhufas de Matemática. Em 1963, a palavra de ordem era as Reformas de João Goulart. Acreditávamos estar a um passo da revolução. Oriundo das campanhas O Petróleo é Nosso eu sonhava com Geologia. Estudante “profissional” eu não sabia bulhufas de Matemática. Optei por Direito Internacional. Na revolução brasileira eu voltaria. Seria embaixador. E até Ministro de Relações Exteriores do Brasil? Sonhar é bom. Delírio ideológico não é bom!
Não conhecia nenhum estudante brasileiro.
O time brasileiro. Meia-esquerda de barba imitando os cubanos. Estudantes apresentavam shows nacionais. No palco, com os colegas Emerson Leal e Ilma Silva. Celebrando o final do curso. Orador da turma de formandos em jantar de despedida com o reitor da Universidade.
Na classe de gramática e fonética, de 8/10 estudantes, eu conheci os cubanos José Peraza, El Chino, Raul, Porfírio, Ariceli, Conchita. E a partir dai passei a conviver mais com os cubanos. Sendo um outsider fui relacionando-me aos poucos com brasileiros nas partidas de futebol, peças teatrais, nas fracassadas tentativas de namoro. Nas discussões das “linhas” ideológica.
O conflito sino soviético:
Com a morte de Stálin, o fracasso de Saltos econômicos, a luta interna, Mao e seu grupo, deram a volta por cima com a Revolução Cultural. Para manter o fervor revolucionário denunciaram o revisionismo soviético e a traição aos princípios marxista-leninista-maoista. O pau quebrou na fronteira com milhões de soldados prontos para defender a revolução de Mao contra os revisionistas russos. Situação surrealista desorientando, frustrando, criando, distintos grupos revolucionários. Racha fatídico pelo mundo. Revolução por meio pacifico ou armado?
Richard Nixon fazendo história ao apertar a mão de Mao-Tse-Tung. Primeiro presidente dos Estados Unidos a visitar a China, rompida com a União Soviética. Passo gigantesco na Guerra Fria. O maestro dessa orquestração foi Henry Kissinger. Nixon levou na bagagem dois vírus capitalistas: a Pepsi Cola e o hamburger. Atualmente, como a URSS, a batalha dos dirigentes chineses não é a implantação do comunismo. É competir e ultrapassar os Estados Unidos, o tigre de papel.
E, eu querendo entender a história. Confuso ideologicamente. Fiz viagem clandestina à China para ver e sentir a Revolução Cultural. Somente duas pessoas sabiam dessa viagem. De Moscou a Vladivastok, uma aventura digna de filme longa-metragem. De lá em barco da Cruz Vermelha. E haja história! E nas voltas que o mundo dá em mim, ou eu nele, anos mais tarde com o apoio e organização da corajosa e vibrante gaúcha, Natalia Gazolla, promovemos o primeiro Dia do Brasil em Xangai, a Nova York da China
Turquia e Cuba:
Foram peões do xadrez. Em 1961, os americanos haviam instalado mísseis na Turquia, fronteira com a URSS. Em 12 de abril, a União Soviética marcava um golaço mundial. Yuri Gagárin o primeiro homem cosmonauta. Na sequencia, Valentina, a primeira mulher astronauta. No dia 14 de abril, cubanos com apoio da CIA invadem a Baia dos Porcos. Foram derrotados. Ate então Fidel Castro e seus barbudos não falavam em revolução comunista. Lutaram contra o ditador Fulgêncio Batista. Eram jovens nacionalistas. Fortemente patriotas. Mas, havia a Guerra Fria. Deflagrada logo após a Guerra Quente com milhões de mortos. Muito antes da revolução cubana existia o confronto comunismo X capitalismo.
U2 e a crise dos mísseis:
O Urso e a Águia. Qual, o mais esperto? Cara de Papai Noel camponês, baixinho, gorducho, Kruchev ria, beijava Fidel. Ria, abraçava Kennedy. Sua luta maior era tirar a Rússia da era stalinista. Para desenvolver precisava abrir a cortina de ferro. Mas, para relacionar-se com os Estados Unidos havia uma “pedra no caminho”. Comunistas não almoçavam com capitalistas. Até hoje pergunta-se: havia mesmo mísseis nucleares naqueles submarinos? Vinte milhões de mortos, 15 mil cidades destruídas, a economia em ruína, escassez de alimentos. Os russos entrariam, em outra guerra-e dessa vez nuclear- por causa da pequena ilha? Foi bom ter vivido em Moscou, o lado mais frio da guerra. Só que naquele tempo, não vi, não podia enxergar, que a crise dos mísseis foi o maior H da história. Urso e Águia passaram a se entender bem. Até que a morte de Kennedy os separou.
Ate hoje ninguém sabe se foi blefe pa Ruski. Se Kennedy engoliu o caviar de Kruchev. Sabemos que aviões espionaram a URSS. Um foi derrubado. Kennedy autorizou que aviões U2 espionassem Cuba. Mostrando-se estrategista de primeira grandeza Fidel Castro temia acordo URSS/EE. UU:
Os mísseis americanos seriam retirados da Turquia. O muro de Berlin destruído. A duas Alemanha se entenderiam. Cuba apenas uma peça do tabuleiro. Os barbudos ficariam isolados no confronto contra cubanos antirrevolucionários apoiados pela CIA e por militares latinos contrários à Revolução.
Não há relato. Não há biografia ou autobiografia que expliquem em qual momento Fidel Castro fez a cabeça, convenceu, Nikita Kruchev a mostrar poderio nuclear transportando mísseis para proteger Cuba. Foi uma jogada para não ficar isolado. Longe da URSS e bem pertinho dos EE. UU. Mas, foi também o inicio do fim. A vitória da tragédia. O bonito do feio. A URSS acabou. A guerra deixou de ser fria para ser tecnológica. Cibernética. Com dogma e atraso Cuba ficou isolada.
O povo estava cansado de guerras, sacrifícios. De censura.
Sabemos que graduados do Comitê Central, militares, gente do governo, não eram favoráveis às manobras com artefatos nucleares (seriam mesmo?). Já estavam empenhados em suplantar os EE. UU. A construção do comunismo não era mais o maior objetivo. O povo estava cansado de guerras internas, externas, sacrifícios, racionamento de comida. De censura.
Nixon perguntava: “vocês fabricam panelas de pressão? Liquidificador?” E Kruchev com a cara amarrada. Relaxou ao ver a produção de um filme e conversar com Shirley Mac Laine e Frank Sinatra. A censura continuava. Livros eram proibidos. Che Guevara criticava o revisionismo soviético. Deixou Cuba. Errou ao escolher a Bolívia para implantar foco guerrilheiro continental.
A luta da URSS era a corrida tecnológica. Produzir bens de consumo iguais aos dos norte-americanos. Richard Nixon deu um baile em Kruchev mostrando-lhe utensílios domésticos da mulher americana desconhecidos das soviéticas. Chineses, e na sequencia Che Guevara, diziam que Kruchev liderava o revisionismo soviético. Traição à Revolução marxista-leninista. O pau quebrou no movimento comunista internacional. Mas, Cuba conseguiu o que pretendia. Ser fiel da balança URSS/ EE. UU.
“Preferiria ter filhos comunistas a ter filhos mortos”. No dia 22 de outubro de 1962, ás 19 horas, o presidente Kennedy falou à nação. Os russos estavam transportando mísseis nucleares para Cuba. “Não permitiremos tal afronta e ameaça a 140 km. dos EE. UU.” 13 dias que amedrontaram o mundo. Abrigos antibombas. Americanos em pânico. A guerra nuclear era iminente. O fim do mundo. Já em Moscou a vida transcorria normalmente.
Na madrugada de 28/10/62, Kennedy, seu irmão Bob, Mac Namara, Mac George Bundy, militares, souberam que o governo russo emitiria um comunicado. Todo mundo com o fiofó apertado. Nessa manhã, Kennedy disse o que por muitos anos ficou escondido e que Mimi Alford, sua jovem estagiária e amante, revela no livro Era uma vez um segredo: “preferiria ter filhos comunistas a ter filhos mortos”. Leia-se, farei acordo com Kruchev.
O governo russo sempre cercado de muito mistério. Pouco se sabia da vida dos líderes soviéticos. As comunicações precárias. O presidente Kennedy e a maioria do povo norte-americano souberam da noticia depois que o povo soviético foi informado pela Rádio de Moscou. Eu ouvi o radialista ler a carta de Kruchev: “os soviéticos aceitavam os termos de Kennedy- não invadir Cuba- e Kruchev removeria os mísseis”. Mais um empate no jogo da Guerra Fria.
“Ich bien ein Berliner”.
A bandeira soviética na tomada de Berlim. Carreata e milhares receberam o presidente dos Estados Unidos. Um muro separava o povo alemão.
No dia 13 de junho de 1963, John Kennedy- que havia sido ferido na Guerra que dividiu a Alemanha- deu um show de bola político ao proclamar “ich bien ein Berliner”: “Eu sou um berlinense”. Era o clímax da Guerra Fria. Espiões pra cima e pra baixo. Ao ser ovacionado por berlinenses Kennedy deu um drible em Kruchev. Prometeu que ganharia a corrida para o espaço. Em uma década enviaram um homem à Lua. Começava a Guerra Fria nas estrelas. Essa Gorbachev perdeu para Reagan.
Mataron El hijo de puta.
Os Brothers. Todos mortos. John e Bob, assassinados. Edward, doença. Fidel estava na mira da CIA. O assassinato de Lee Oswald, diante das câmeras de TV, algemado, dentro da delegacia, cercado por dezenas de policiais, despertou centenas de teorias. Quem teria coragem para um ato tão espetacular? A máfia que “mandara matar” Kennedy, matava o executor do crime? O assassino do assassino morreu na prisão. Daí milhares de livros. Dezenas de filmes.
Sem TV, jornais estrangeiros, não se acompanhava a Guerra Fria. Mas, graças a minha companheira cubana (não dizíamos namorada. Companheira nos dois sentidos) filha de funcionário graduado da embaixada em Moscou, eu lia as principais publicações de Cuba. E por tabela, estrangeiras. Mas, não estava vidrado no conflito, que parecia distante, irreal. Os cubanos sim. E eles tinham verdadeiras razões. Já estava plantado que o imperialismo yankee era seu principal inimigo. Que lutariam contra ele de qualquer maneira. Hasta La vitória siempre!
Com sete horas de atraso El Chino trouxe a noticia. Os tiros foram desferidos ás 12.30, em Dallas. Em Moscou, 21.30 horas. Ele que só andava vestido de militar, boina, fumava charuto, subiu na mesa, e gritou “Mataron Al hijo de puta”. O negro Peraza, óculos fundo de garrafa, repicou: Lo mataron a Kennedy El cono Del recontra cono de su madre”. Cubanos gritavam Viva La Revolucion. Viva Fidel. Pátria o Muerte, Venceremos.
Abriram garrafas de rum, vodka. Vinho da Geórgia. Trouxeram tumbadoras. Chocalhos. Mulatas cubanas que eu não conhecia. Era uma sexta feira. Sábado sem aulas. El Som varou a madrugada. Jovens em vingança revolucionária. Mas, ninguém perguntava: Por que mataram Kennedy? Na empolgação alguns falavam das “ordens” de Kennedy para matar Fidel. Outros exibicionistas, orgulhosos, diziam que Fidel “ordenara” o fim de Kennedy.
Walter Cronkite
Anos depois em My Way nova-iorquino conheci Walter Cronkite. Ele estava morando na “minha” Rua. 65 entre Park e Madison. Famoso Âncora da TV. A voz que emocionou os Estados Unidos com a cobertura da morte, do translado, enterro, de John Fitzgerald Kennedy, o 35* Presidente dos Estados Unidos. Ouvi muitos “segredos”, conspirações, sobre o assassinato de Kennedy. Livros, filmes, pessoas. Um encontro com o senador Edward Kennedy. Outro com John Kennedy Jr, Publisher e Editor da revista George. Meu apartamento serviu para o Paparazzo Ron Galella fotografar a sempre querida Jackeline Kennedy.
Tentando recuperar cadernos, anotações, fotografias, souvenires, deixados na longa e radical mudança de ambiente, cultura, cidades, continuo recolhendo recortes e detalhes do meu tempo União Soviética. Da Guerra Fria, da qual o assassinato de John Kennedy foi clímax e marcador de caminhos em meio século de grandes transformações. Com a sua colaboração e opinião escreveremos outros Repórter na História sobre o tema. Ispaciba, Gracias, Obrigado, Thank You !
Trilha sonora: Autumn Leaves Legendado. A preferida do presidente Kennedy. Ele regalou a jovem Mimi Alford com um LP de Nat Kink Cole.
Divulgue. Encaminhe: www.oreporternahistoria.com.br. Escreve notopi. Notícia com opinião que eu publico: oreporternahistoria@gmail.com