Ao anunciar que a revista Play Boy deixará de publicar a imagem principal de sua existência, Hugh Hefner explicou: “Estamos perdendo terreno com o nu. Temos que pensar como fazer a transição”.
Em 1972, a maior tiragem da revista: 7 milhões de exemplares.
Lolita
Cinzas e lágrimas do ataque japonês a Pearl Harbor; cinzas e lágrimas das bombas em Hiroshima e Nagasaki; a destruição da Europa; milhões de mortos. Preocupação e medo. O que fazer para evitar um novo conflito, altamente destruidor?
Oito anos após o fim da Segunda Guerra Mundial nasceu a revista Play Boy na América que lia às escondidas, Lolita, do russo Vladimir Nabokov. Na América presa em seu fundamentalismo religioso. Na América proibida de ver filmes, revistas, quadrinhos, fotos, de mulher pelada. Na América que fantasiava com a house wife transando com o leiteiro, eletricista, o jardineiro. Na América das punhetas e orais no drive in.
O povo queria sair da escuridão. De guerra e sofrimento.
Hugh Hefner deu a largada. Juntou teoria e prática da liberdade de expressão e modernização da cultura e dos costumes made in the USA. Ao mostrar a mulher ele a fez orgulhar-se de si mesma. A Play Boy foi mostrando que havia mais para a mulher do que o fogão, o tanque de lavar roupa, a cama para procriar, as soap opera nas tardes de TV. Havia moda, passarela, arte, direitos civis, erotismo sem pecado, e temas “proibidos” que a mulher precisava conhecer para decifrar. Ela sabia onde o marido escondia a revista.
A minha primeira Play Boy
Conheci a Play Boy lavando pratos, nas férias, em Helsinki. Ganhando em dólar, eu voltava para a universidade em Moscou, com calçinhas, blusas, sandálias, chicletes, batom, esmalte, para as queridas dievuski.
Cigarro Malboro, jeans, Lps de Andy Williams, Frank Sinatra, Connie Francis, e a revista da decadência imperialista. Ler, mostrar, a Play Boy, o livro Doutor Jivago, dava cadeia. “Pratiquei a mais infame das subversões, sabotei e ajudei a destruir o regime soviético, mostrando a Play Boy para colegas russos”, dirá Emerson Leal, emérito Físico Nuclear, Mestre na universidade São Carlos, vice prefeito da cidade, meu querido colega da universidade Lumumba, leal defensor de Stálin e do comunismo soviético. ( 1. Primeiro dia de aula, 15 graus abaixo zero. 2. Cartaz advertindo Tio Sam).
Atualmente, a Play Boy pa russki, circula do Mar Negro à Sibéria. As russas sairam do armário, do fogão, das proibições, e se revelam audaciosamente eróticas. A última viagem que ajudei a organizar para Carlos Bezerra, governador, senador, deputado federal, foi a Leningrado e Moscou. Ele voltou de lá encantado com a beleza da mulher russa. “Sim, quero voltar, e agora com mais tempo”.
Proibida, devassa, revista do Diabo.
A revista vinha dentro de um plástico, com tarja tapando seios e bundas. Quantos sonhos, quantas punhetas, naquele center-fold colado em dormitórios estudantis, banheiros, bares, restaurantes, borracharias, fábricas, pelo mundo afora! Hoje, a masturbação está nas escolas, bailes, shows, na TV. Não “dá espinha, cabelo na mão, não se vai para o inferno, ninguém fica tuberculoso por bater punheta”. Qualquer garoto (a) com celular/internet terá imagens de sexo explicito. Não é preciso comprar revista para ver sexo. Está em horário nobre, nas novelas.
No vazio criativo e investigativo das nossas emissoras de TV não há espaço para o criador e a sua criatura. Apenas linhas sobre aquele que, na teoria e na prática, revolucionou cultura e costumes nos Estados Unidos. E no mundo. Hugh Hefner, o self made man, prova, mais uma vez, que o individuo e não o coletivo, a criação pessoal e não o partido único, fazem história, My Way: Aristóteles, Alexandre, Julio César, Leonardo da Vinci, Karl Marx, Thomas Edson, Santos Dumont, Walt Disney, Carmen Miranda, Martin Luther King. Há 62 anos HH escreve a nova história norte-americana, e universal.
Muito se escreveu, se ouviu, sobre a revista Play Boy. Mas, para o Brasil do Ame-o ou Deixe-o, da Pátria Educadora, do Aqui tem Educação; Brasil que despreza o que se faz pela sua boa imagem no exterior; para o Brasil cujo governo central, talibã, não se interessa por memória e história (“são frutos da burguesia e do capitalismo” e, portanto, “devem ser destruídas”) contarei, um pouco, do lado brasileiro na Play Boy.
Miriam Batucada e a Chave
Os shows eram tipo Las Vegas. Promovi e organizei o primeiro show de brasileiros no Play Boy Club. Aconteceu em Nova York, com Miriam Batucada, percussionistas, desfile de fantasias de Jesus Henrique e Janete Bezerra. Morando na rua 65 com Park Avenue, eu caminhava ate a Madison, entrava pela Rua 60, da saudosa boate Copacabana ate a Quinta Avenida pela calçada do Pierre Hotel. Por uns dez anos, subi as escadas do 5 East da 59 street, para o almoço, Happy Hour, noites de celebridades e shows, no badaladissimo Play Boy Club.
Recebi a Chave com agradecimentos e autorização para levar 2 Coelhinhas ao Carnaval do Brasil no mundialmente famoso Waldorf Astoria Hotel. Jamais, a Play Boy havia autorizado aparição pública de Coelhinhas, além de seus recintos. Foi mais uma “primeira vez em minha vida”. Houve outras. Mas, aqueles foram os meus mais festejados “quinze minutos de fama em NY”.
No palco de Reis, Rainhas, Presidentes, Celebridades, ladeado por Coelhinhas, mostrei a Chave Play Boy, cobiçado símbolo de status, tanto quanto Mercedez e Rolex. “Não era uma vitória apenas minha. Eu dividia a Chave com todos os brasileiros”.
E graças ao impacto da noticia, da fama da Play Boy, e do Carnaval brasileiro, em que pese concorrência desleal (adivinha de quem? De brasileiros, “amigos”, na Rua 46) renovei contrato por dez anos com o Waldorf. Outro “pela primeira vez”. Jamais o Hotel fechara contrato tão longo para o seu Grand Ball Room. Para essa façanha contei com destacado empresario de NY vidrado na primeira Coelhinha Brasileira que consegui emplacar no Clube.
Guerra Fria. Play Boy. Revolução sexual
A Guerra Fria. Caça aos liberais nos EEUU. Fundamentalismo religioso. Klu-Klux-Kan. O assassinato de John Kennedy. Racismo. Black Panther. O assassinato de Robert Kennedy. A renúncia do presidente Nixon. Danine Stern, a primeira mulher negra na capa da revista.
Os pro soviéticos criando datas, factóides, símbolos. Ate hoje, redações repetem a mentira histórica sobre a revolta estudantil que “mudou o mundo”, em 1968, Paris. Bullshit. Havia sim, admiração pela Revolução Cultura na China de Mao. Havia sim, frustração e revolta pela morte de Ernesto Che Guevara. Havia sim, decepção com o revisionismo soviético. Havia sim, Cuba território livre de analfabetismo. Havia sim, a opção da luta armada para se chegar ao comunismo. E havia a guerra no Vietnam. Sem internet, o pensamento crítico dos anos 60/70, era discutido, divulgado, por livros, discos, filmes, jornais, e revistas.
Hugh Hefner serviu ao Exército. Fazia desenhos e cartuns. Sem grana, mas, espírito empreendedor, ele criou uma Folhinha/Calendário com imagens de mulheres inocentes. Ao comprar fotos “avançadas para os anos 50” veio o estalo criador. E com a desconhecida Marilyn Monroe na capa da primeira revista Play Boy, em dezembro de 1953, o sucesso e a fama. Passou por perseguições e ameaças. Mostrou e ensinou executivos de grandes empresas a não ter vergonha de serem fotografados dentro de seus jatinhos. HH criou estilo, bossa, costumes, cultura.
Make Love not War
Hoover, o poderoso Chefão do FBI, queria pega-lo na censura ao atentado ao pudor. Não conseguiu. Não lhe concederam licença para vender bebida alcoólica, o filé mignon dos Clubes. Gloria Stein, ativista do movimento feminista, foi infiltrada como garçonete (Coelhinha) no Clube de Nova York para pega-lo em discriminação, preconceito, prostituição.
Perdendo todas, Edgar Hoover centrou fogo no imposto de renda, como fizeram com Al Capone. Não prenderam nem destruíram Hugh Hefner. Ele cresceu na opinião pública abrindo a Play Boy para escritores, entrevistas de 3/4páginas com políticos, empresários, músicos, celebridades. Make Love not war, liberdade de expressão, direitos civis.
Todos os temas sociais abordados sacudiram os subterrâneos da cultura e dos costumes made in the USA. Hugh Hefner revolucionou com a mais potente das armas: idéias. Impressas numa revista.
USA, antes e depois, da Play Boy.
Eu estava lá no “tambor do mundo”. Acompanhei o tremendo sucesso da Play Boy que, ao contrário do que diziam os talibã da época (e de hoje), nunca foi uma revista pornográfica. Basta ver o Manual de Conduta das Coelhinhas.
Como milhões, eu também pulei da Play Boy para a Hustler de Larry Flint e para a Penthouse de Bob Guggione. Eles captaram o avanço da sexualidade. Souberam entrar no caminho aberto por HH e faturar com pernas abertas, clitóris, sexo oral, anal, lesbianismo. Surgiram centenas de revistas pornôs. O filme Garganta Profunda inundou o mercado de pornografia em Vídeo K-7. O racista Joseph Paul Franklin, atirou várias vezes em Larry Flint. 37 anos em uma cadeira de rodas, de ouro, presente dos admiradores. Paraplégico, por ter ousado publicar fotos de negro com branca.
Play Boy no Brasil
1. Victor Civita com Pato Donald revista da qual nasceu a Editora Abril. 2. Sentado, ultimo à direita, Odilo Lycetti, representante da Editora Abril em Nova York. Meu convidado para o Juri de Fantasias no Carnaval Waldorf Astoria. A seu lado, Marpessa Dawn, estrela do filme Orfeu Negro, premiado em Cannes.
Resumo o que já contei sobre o meu cafezinho com Victor Civita. O reconheci na Livraria Rizzoli, Quinta Avenida. Dei-lhe um exemplar do jornal The Brasilians. O convidei para um cafezinho na Rua 46. Disse-lhe do meu “Brazilian proud” em receber a Chave com mensagem de Hugh Hefner.
E nos aproximamos mais quando ele disse que era novaiorquino, nascido na Charles Street, no Village. E contou sua vida de filho de imigrantes. Eu, como muitos brasileiros, achava que ele era argentino. Contei-lhe como cheguei de Moscou, com casacão de frio, um dente de ouro, e vinte dólares. E que também vivi no Village, na Prince Street, entre italianos e portugueses. O convidei para almoçarmos no Clube. E para o Carnaval no Waldorf. Victor Civita não poderia ir, mas, determinou a Odylo Lycetti, representante da Editora Abril, comparecer.
Pelo Decreto-Lei 1077, de 1970, a ditadura censurou livros, músicas, revistas “imorais” com mulher pelada. Em 1975, a primeira edição de Homem. Em 1977, Homem com a coelhinha. E, finalmente, em 1978, a revista Play Boy.
O coelhinho de gravata borboleta, logo-marca famosa quanto Coca-Cola, BMW, Nike, Apple, continua fazendo sucesso. Depois de New Orleans, Nova York, da sede em Chicago, o Clube está ativo em Londres e Las Vegas. Já fazendo a transição do nu por alternativas condizentes com o momento.
A Fundação
Hugh Hefner passou o comando para a filha Christie. A Fundação Play Boy criou o Freedom of Expression Award; Curso de Cinema; Campanha e doação para não destruírem o outdoor Hollywood, símbolo do Cinema; Doações para a restauração de filmes clássicos (O preferido de HH é Casablanca).
A Play Boy abriu caminho para criações e indústrias diversificadas: moda masculina, feminina, intima, viagens, bebidas, carros, cosméticos, embelezamento, arquitetura, pintura, musica, filme, festivais, comerciais, musicais, livros, esportes.
Equivocaram-se os que na cultura do Atraso, do Fundamentalismo teológico ou ideológico, viram a Play Boy como uma revista de pornografia. Foi a revista de um novo tempo. Tanto que seu criador avisa que deixará de publicar mulher nua, vulgarizada em diversos tons de cinza. Mulher, no Brasil, usada nesses tempos de mobilizações pagas e muita mentira política. Mulher brasileira, explorada politica e eleitoralmente, com falsos direitos humanos e incompleta liberdade de expressão.
Vargas, Altuna, Langerie, Laura Antonelli
As Pinups de Vargas marcaram gerações. As Piadas. Os quadrinhos de Horacio Altuna e a Coleção de Lingerie fizeram o meu voyeurismo crescer em ramificações de altíssima voltagem erótica. Fui/sou/ um presenteador de langerie. E mais uma vez, sou mais que grato à Play Boy, pelo meu primeiro encontro com Laura Antonelli, musa do cinema italiano, e do erotismo mundial. Mas, esta é outra história. Vale ver e enxergar a historia dos Estados Unidos, e do mundo, antes e depois da Play Boy.
Trilha sonora:
São tantas as recordações musicais. Mas, quando penso na minha Nova York dos anos 70, ouço Spanish Harlem com Aretha Franklin ou Ben King, ou Feeling Alright com Joe Coker, The Land of make believe com Chuck Maggione.
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